Alerta vermelho para o jornalismo ambiental: 10 mortos em 5 anos
Para marcar o Dia da Sobrecarga da Terra, que este ano cai em 22 de agosto, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) publica dados alarmantes: pelo menos dez jornalistas que trabalham com meio ambiente foram mortos e mais de 50 violações da liberdade de imprensa relacionadas a esse tema foram registradas em menos de cinco anos ao redor do mundo.
Tempos difíceis para o jornalismo ambiental. Os abusos contra jornalistas que trabalham com temáticas ligadas ao meio ambiente se tornaram constantes. Brandon Lee sabe do que estamos falando. No dia 6 de agosto de 2019, o jornalista americano residente nas Filipinas, colaborador do semanário Nordis, escapou por pouco de uma tentativa de assassinato. Nos últimos anos, Lee disse ser "constantemente sujeito a diferentes ameaças e assédios, até nas redes sociais" por conta da sua cobertura das questões ambientais no norte do arquipélago, que "denuncia injustiças que qualquer governo deseja ocultar".
A tentativa de assassinar Lee é um dos 53 casos de violações do direito de informar registrados pela RSF desde a publicação do relatório Clima hostil contra jornalistas ambientais, no final de 2015, que apresentava um primeiro balanço das violações contra jornalistas que trabalham especificamente nessa área. As tendências constatadas há cinco anos se confirmam e assumem um caráter durável. Em média, dois jornalistas são assassinados a cada ano por ter investigado desmatamento, mineração ilegal, grilagem de terras, poluição e outros impactos ambientais decorrentes de atividades industriais e de grandes projetos de construção de infraestrutura.
Na última década, 20 jornalistas foram mortos por ter abordado temas como esses. Dez deles, nos últimos cinco anos. Nove desse total de 20 foram friamente assassinados em cinco países - Colômbia (2), México (1), Filipinas (1), Mianmar (1) e Índia (4). Entre eles, o correspondente para língua hindi do jornal Kampu Mail, Shubham Mani Tripathi, atingido por seis tiros, três delas na cabeça, em junho de 2020. Pouco antes de sua morte, o jornalista indiano compartilhou no Facebook seu medo de ser assassinado pela "máfia da areia", devido às investigações que realizava sobre a mineração ilegal do recurso.
Além dos nove que foram claramente assassinados, um jornalista morreu de forma suspeita enquanto estava numa prisão na parte indonésia da Ilha de Bornéu em 2018. Muhammad Yusuf, que trabalhava para os sites de notícias Kemajuan Rakyat e Berantas News, foi preso depois de reportar casos de grilagem de terras ligados a uma empresa de produção de óleo de palma e ser acusado de difamação por esta empresa. Sua esposa está convencida de que sua morte não foi natural, pois o corpo do jornalista apresentava marcas de golpes na nuca.
A lista poderia ser ainda mais longa. Por conta de seus artigos sobre as consequências desumanas da poluição por hidrocarbonetos, causada pela operação de empresas internacionais de petróleo no Sudão do Sul, o repórter do grupo de imprensa Nation Media Group (NMG) Joseph Oduha foi perseguido, preso, torturado e submetido a uma tal pressão dos consórcios petrolíferos e das autoridades que o acusavam de "ameaçar a segurança nacional", que acabou forçado a se exilar em 2019. Para continuarem vivos, os jornalistas Alberto Castaño e María Lourdes Zimmermann também precisaram deixar seu país: a Colômbia, onde dois jornalistas comunitários foram assassinados - Maria Efigenia Vásquez Astudillo e Abelardo Liz - em menos de três anos, por terem denunciado a grilagem de terras por grandes grupos privados, e onde ameaças de morte feitas nas redes sociais são levadas muito a sério.
"O jornalismo ambiental se tornou significativamente mais perigoso do que já foi no passado, constatou o jornalista Peter Schwartzstein, especialista em temas ambientais no Oriente Médio e na África do Norte. Autor do relatório The Authoritarian War on Environmental Journalism, ele acredita também que essa tendência está "intimamente relacionada a uma conscientização crescente sobre a importância do meio ambiente". O aumento da poluição e dos efeitos visíveis do aquecimento global contribuíram para sensibilizar o público e os governos sobre "preocupações que antes eram secundárias" e que costumavam ficar longe da atenção dos meios de comunicação.
A Ásia e a América, as duas zonas vermelhas
Embora os abusos contra jornalistas ambientais aconteçam em todos os continentes, duas regiões do mundo concentram 66% dos incidentes registrados: a Ásia e a América. Na Ásia, a Índia é o país de todos os recordes: de jornalistas mortos (4), de agressões violentas (4), e de jornalistas sendo alvo de ameaças e perseguições judiciais (4). A quase totalidade dos casos de abusos no país está ligada à "máfia da areia".
"Depois da água, a areia é o recurso natural mais precioso, limitado e em maior demanda", explica a jornalista indiana Sandhya Ravishankar, que também ressalta o forte impacto ambiental causada pela sua extração em grandes volumes. “Quando jornalistas fazem reportagens sobre uma mercadoria tão preciosa e pressionam as autoridades para que parem a mineração, isso é uma ameaça para muitas indústrias e industriais poderosos, cujo sustento depende da areia como matéria-prima. Por isso, invariavelmente, há muita violência contra jornalistas que fazem reportagens sobre a extração ilegal do recurso", afirma a repórter que investigou a máfia da areia na região de Tamil Nadu e enfrentou uma violenta campanha de difamação após suas investigações. O assédio moral organizado pelas empresas de mineração e que a levou à marginalização em sua região, inclusive por seus pares, é para Sandhya "a ferida mais grave e mais duradoura" que ela jamais sofreu.
A via "legal" para silenciar os jornalistas
Não é preciso recorrer aos métodos mais radicais para silenciar jornalistas especializados em meio ambiente. Aqueles que tentam revelar a verdade sobre práticas destrutivas de grupos privados poderosos podem facilmente acabar no banco dos réus, com base nas leis sobre difamação. Recentemente, nove jornalistas foram alvo de procedimentos judiciais ao redor do mundo.
Entre eles, o tailandês Pratch Rujivanarom. O jornalista foi acusado de difamação sob o código penal da Tailândia e a Lei de Crimes Informáticos em 2017, depois de escrever um artigo para o jornal anglófono The Nation sobre a poluição da água resultante das atividades da gigante da mineração MPC. Confrontada com a solidez de seu trabalho, a empresa acabou por retirar a queixa. Na França, a jornalista independente Inès Léraud, que investigava as consequências ambientais da agricultura intensiva na Bretanha, já foi alvo de duas queixas por difamação no intervalo de dois anos. O primeiro processo contra a autora da investigação "Algas verdes, a história proibida" - movido por um importante agroindustrial bretão que não hesitou em denegri-la diretamente por e-mail e pelo rádio - foi finalmente retirado alguns dias antes da audiência prevista para janeiro de 2020.
Embora a maior parte dos processos judiciais abertos em casos semelhantes acabem com a absolvição dos jornalistas, alguns podem levá-los à prisão por um longo tempo. No Uzbequistão, Solidjon Abdourakhmanov, autor de inúmeros artigos sobre as consequências da catástrofe ecológica do mar de Aral, só recuperou a liberdade em 2017 depois de nove anos atrás das grades. Na Guatemala, o jornalista Carlos Choc pode pegar de 20 a 30 anos de prisão por ter denunciado a contaminação de um lago pela empresa de mineração CGN-Pronico. Na Índia, foi somente após 22 anos de processo que o jornalista do Newstime Shailendra Yashwant, seu editor Ramoji Rao, e Bittu Sahgal, editor do Sanctuary Features, foram finalmente inocentados das acusações de difamação por terem publicado um artigo sobre a poluição no estado do Gujarate.
Múltiplas detenções
A violação mais frequente, que afeta o maior número de jornalistas que cobrem temas relacionados ao meio ambiente, ainda é a detenção e a prisão preventiva. Na Rússia, no início de junho de 2020, a jornalista Elena Kostyuchenko e o fotógrafo Youri Kozyrev foram detidos várias vezes sob o pretexto de terem violado a quarentena, enquanto investigavam a catástrofe ecológica de Norilsk para o jornal Novaya Gazeta. No Canadá e nos Estados Unidos, dezenas de jornalistas foram detidos entre 2016 e 2020 enquanto cobriam manifestações de ambientalistas e de comunidades indígenas que se opunham à construção de um gasoduto, de uma grande barragem hidroelétrica e de um oleoduto em terras ancestrais. Em ambos os países, vários jornalistas foram processados por invasão de propriedade privada, até que fossem finalmente autorizados pela justiça a cobrir as manifestações indígenas.
Acompanhar ambientalistas é tarefa arriscada também no Reino Unido e na França. O colunista e ativista do Guardian, George Monbiot, foi preso enquanto acompanhava uma ação do movimento Extinction Rebellion no aeroporto de Londres em 2019. Já o jornalista do Reporterre, Alexandre-Reza Kokabi, foi detido provisoriamente por 10 horas após ser preso durante a cobertura de um protesto do mesmo grupo no aeroporto de Orly em junho de 2020.
Na Austrália, o jornalista francês Hugo Clément, do canal de TV France 2, e sua equipe de filmagem foram detidos por sete horas após serem presos em Queensland, em julho de 2019, enquanto cobriam um protesto contra a construção da mina de carvão de Carmichael, que ameaça a Grande Barreira de Corais.
Pressões palpáveis e insidiosas
As pressões sofridas pelos jornalistas que trabalham com temas ambientais podem ser frontais, como na China, onde a jornalista do Caixin Weekly, Zhou Chen, foi abertamente seguida, ameaçada e assediada por policiais de uma cidade afetada por um incidente de poluição industrial, em novembro de 2018. Mas, com frequência, são insidiosas. É o caso de uma jornalista do Egito, especializada em temas ambientais e que prefere manter o anonimato. Após a publicação de artigos sobre um tema sensível, ela percebeu que está sendo vigiada e que não consegue mais viajar sem que seja parada por várias horas no aeroporto. No Japão, jornalistas denunciam a autocensura nos grandes veículos de comunicação, sobretudo no que diz respeito às consequências da catástrofe nuclear de Fukushima. Resultado, segundo eles, de pressões por parte do governo e do lobby do setor nuclear, que desejam impedir a publicação de informações que passem "uma imagem negativa do Japão" ou que possam prejudicar a preparação das Olimpíadas de Tóquio, que foram adiadas para 2021.
Diretas ou mais sutis, todas essas pressões e violações do direito de informar sobre temas ambientais têm consequências. "Por mais importantes que sejam, as histórias sobre exploração de recursos naturais, as hierarquias de poder, a violência enfrentada pelas comunidades e as consequências nefastas disso tudo não serão contadas. Simplesmente, porque os jornalistas não ousarão contá-las e eles têm razão de ter medo", lamenta a jornalista Sandhya Ravishankar. A supressão dessas histórias provavelmente aumenta o estrago, avalia Peter Schwartzstein: "Embora difícil de provar, certamente parece que essa repressão está contribuindo para o agravamento da degradação ambiental. Com a cobertura amplamente insuficiente de males e desastres ambientais, enormes problemas estão se deteriorando e piorando nesse buraco negro de notícias”.
A não ser que se ofereça proteção aos jornalistas ambientais ou ao menos "uma aparência de proteção", argumenta Sandhya Ravishankar, cobrir meio ambiente frequentemente se revelará um "desafio" insuperável, para usar o termo de Brandon Lee, e não apenas nas Filipinas.
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