Projeto de lei sobre IA: para que o Brasil seja pioneiro na proteção do direito à informação, Senado não deve ceder às empresas de tecnologia

Em vez de aprovar um texto pioneiro que protege o espaço informacional na era da inteligência artificial (IA), o Senado deu meia-volta e iniciou uma nova série de audiências públicas envolvendo, em sua maioria, representantes do setor privado. A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) apela à Casa para que seja extremamente prudente: esse projeto de lei, o primeiro em âmbito internacional a reconhecer a importância do direito à informação na regulação da IA, deve ser votado sem delongas, ser fortalecido e não enfraquecido.

Em meados de junho de 2024, o Senado brasileiro se preparava para votar um projeto de lei estabelecendo regras que protegem o direito à informação no desenvolvimento, implementação e uso de sistemas de IA. O envio do texto pela Câmara dos Deputados foi adiado para julho para poder receber opiniões de diversas organizações, principalmente do setor privado e já ouvidas em consultas anteriores, como Meta, Google, Amazon e Microsoft. A RSF teme que novas audiências, de última hora, levem a um enfraquecimento das garantias concretas presentes na versão atual do substitutivo em termos de proteção do direito à informação confiável.

“Com esse texto, o Brasil seria o primeiro país do mundo a dar ao direito à informação a importância que ele merece na regulação de IA. A questão, essencial para o bom funcionamento das nossas democracias, é muitas vezes negligenciada, ou mesmo deliberadamente omitida, em iniciativas destinadas a regular essa tecnologia. Instamos o Senado brasileiro a resistir à pressão corporativa e a fortalecer as salvaguardas para proteger o espaço informacional.

Arthur Grimonpont
Diretor do Escritório de IA e Desafios Globais da RSF

Um projeto de lei que consagra o direito à informação 

Diversos artigos da versão do texto em debate estão alinhados às recomendações da RSF sobre IA e informação e devem ser mantidos:

  • IA e o direito à informação: uma relação de risco. De acordo com o que recomenda a RSF, a versão atual do texto considera "de alto risco" os sistemas de IA que desempenham um papel central na “produção, curadoria, difusão, recomendação e distribuição, em grande escala e significativamente automatizada” e os sujeita a exigências importantes. O texto também permite estender essa classificação para outros sistemas que representam um risco para a integridade da informação, a democracia e o pluralismo. A manutenção desse dispositivo é fundamental considerando a ausência de outras leis regulando o espaço informacional online no arcabouço jurídico brasileiro.
     
  • Obrigações para sistemas de IA de propósito geral, a exemplo de chatbots como o ChatGPT. Os desenvolvedores de tais sistemas devem demonstrar, por meio de testes e análises, “a identificação, a redução e a mitigação de riscos razoavelmente previsíveis para os direitos fundamentais”, assim como para a “integridade da informação e o processo democrático”
     
  • Direitos e remuneração para os criadores de conteúdo. A versão atual do projeto de lei exige que os desenvolvedores de IA divulguem as bases de dados utilizadas para treinar seus modelos e respeitem os direitos dos titulares de direitos autorais para qualquer uso comercial, mesmo sem reprodução direta. Os titulares de direitos de propriedade intelectual seriam livres para se opor ou consentir a utilização de suas obras e, caso necessário, para negociar sua remuneração individualmente ou coletivamente com os desenvolvedores de IA. A RSF recomenda privilegiar negociações coletivas, que sejam mais favoráveis a uma remuneração equitativa para os meios de comunicação e criadores de conteúdo. 

 

Um texto aperfeiçoável 

Embora o projeto de lei brasileiro sobre IA represente, tal como está, um avanço significativo para a proteção do direito à informação, a RSF recomenda aprimorá-lo integrando os seguintes pontos:

  • estabelecer uma obrigação de amplificar fontes confiáveis, identificadas como tal por padrões de autorregulação, como a Journalism Trust Initiative (JTI), para qualquer sistema de IA que desempenhe um papel central na difusão de informações;
  • estabelecer um regime de responsabilidade pela criação e difusão de deepfakesaplicado tanto às empresas que desenvolvem sistemas de IA como aos seus usuários; 
  • garantir uma avaliação independente de sistemas de IA de alto risco e de propósito geral, particularmente aqueles que desempenham um papel central na difusão de informação. 
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Nota: 58,59
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