Oligopólios de mídia controlados por poucas famílias. A Repórteres sem Fronteiras e o Intervozes lançam o Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil
Poder, no Brasil, significa negócios familiares, tanto historicamente como hoje. Assim como os ruralistas,
antes chamados de latifundiários, os proprietários dos meios de comunicação possuem um vasto território
nas ondas das TVs e das rádios, combinando interesses econômicos e políticos com o controle rigoroso da
opinião pública. Nem a tecnologia digital e o crescimento da internet, nem esforços regulatórios ocasionais
limitaram a formação desses oligopólios.
Uma pesquisa conjunta da ONG brasileira Intervozes e da Repórteres sem Fronteiras (RSF) mostra quem são
os principais atores da mídia brasileira. O "Media Ownership Monitor" disponibiliza esses dados ao público
em um site, disponível em português e inglês, em www.quemcontrolaamidia.org.br, lançado hoje em São
Paulo.
São Paulo, 31 de outubro de 2017 - O Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor/MOM) oferece uma imagem detalhada de quem são os proprietários da mídia no Brasil e de sua atuação em outros setores da economia. A pesquisa expõe o nível de concentração da propriedade dos meios de comunicação e mostra que o marco legal brasileiro é insuficiente para impedir que poucos grupos dominem o mercado. Também mostra a concentração dos centros de poder da mídia nas regiões Sul e Sudeste do país. A sede de três em cada quatro desses grupos fica na maior cidade do país, São Paulo.
“O MOM associa os nomes dos proprietários aos seus veículos de mídia, grupos econômicos e empresas em outros setores, sistematiza essas informações e as torna acessíveis ao público em geral", afirma André Pasti, coordenador da pesquisa pelo Intervozes. A investigação, realizada pela equipe do Intervozes durante quatro meses, abrange os 50 veículos de comunicação com maior audiência no Brasil e os 26 grupos econômicos que os controlam.
No segmento de televisão, mais de 70% da audiência nacional é concentrada em quatro grandes redes e somente uma rede, a Globo, detém mais da metade da audiência entre esses quatro maiores. Como não há restrições à propriedade cruzada -- com exceção do segmento de TV paga -- os líderes de mercado dominam múltiplos segmentos. Por exemplo, grandes redes nacionais de TV aberta pertencem a grupos que também controlam emissoras de rádio, portais de internet, revistas e jornais impressos.
A transparência a respeito da propriedade da mídia é pequena. As empresas não são legalmente obrigadas a divulgar sua estrutura acionária ou balanços. E nenhuma delas respondeu as solicitações de informação da equipe do MOM. "A mídia não é como qualquer outro setor econômico. É importante saber quem a controla", afirma Olaf Steenfadt, diretor do MOM e integrante da Repórteres sem Fronteiras Alemanha. "Os cidadãos têm direito de conhecer os interesses por trás dos meios de comunicação que consomem. É isso que o Media Ownership Monitor deseja proporcionar", afirma.
Com uma metodologia desenvolvida pela RSF, o Media Ownership Monitor também traz um conjunto de indicadores que medem, em cada país, riscos para a pluralidade da mídia. Entre os onze países pesquisados até o momento, o Brasil, com todos os indicadores exceto um apontando alto risco (http://brazil.mom-ltpszjrkmr.oedi.net/en/findings/), ocupa o último lugar.
Políticos investem em mídia
A Constituição brasileira proíbe que políticos controlem empresas de mídia. Apesar disso, 32 deputados federais e oito senadores controlam meios de comunicação, ainda que não sejam seus proprietários formais. Um exemplo é Vittorio Medioli, ex-deputado federal e agora prefeito de Betim, no estado de Minas Gerais. Sua esposa e sua filha gerenciam os negócios de mídia do Grupo Editorial Sempre Editora, que publica dois dos maiores jornais de circulação do Brasil (Super Notícias e O Tempo), além de três outros jornais, um portal de internet, um canal de webTV e uma estação de rádio FM.
Membros de outras famílias proprietárias, como os Câmara, Faria e Mesquita, também ocupam cargos importantes nos veículos desses grupos. A família Macedo, que controla o grupo Record e a Igreja Universal do Reino de Deus, também domina um partido político, o Partido Republicano Brasileiro (PRB), que conta com um ministro no governo federal, um senador, 24 deputados federais, 37 deputados estaduais, 106 prefeitos e 1.619 vereadores.
Na maioria dos casos, no entanto, os laços entre políticos e meios de comunicação de massa são forjados por meio de estruturas de rede e acordos comerciais em que grandes radiodifusores nacionais sublicenciam sua marca e seu conteúdo para empresas no nível estadual. Esses afiliados atuam como redistribuidores, mas, mais importante, são um veículo de co-propriedade para homens (muito raramente mulheres) poderosos em seus estados e municípios. Em vários estados, as afiliadas das grandes redes são controladas por empresas que representam diretamente políticos ou famílias com uma tradição política, geralmente proprietárias de empresas em mais de um setor da mídia. Como reproduz a concentração da propriedade da terra no Brasil, esse fenômeno é definido, por pesquisadores, como coronelismo eletrônico.
Um exemplo disso é o grupo do qual fazem parte a TV Bahia (afiliada da Rede Globo) e o jornal Correio da Bahia, controlado pela família Magalhães, do atual prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto, e do ex- governador da Bahia, senador e ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães. Outro caso é o do grupo Arnon de Mello, que possui a TV Gazeta Alagoas (afiliada da Rede Globo), o jornal Gazeta de Alagoas e a emissora de rádio FM Gazeta 94, liderado pelo ex-presidente e agora senador Fernando Collor de Mello. Ou o grupo Massa(afiliada do SBT no Paraná), do apresentador Carlos Massa, cujo filho, Ratinho Filho, foi deputado estadual e federal; ou o grupo RBA de Comunicação, que possui o jornal Diário do Pará e a TV Tapajós (afiliada da Globo no Pará) e pertence ao senador Jader Barbalho e sua família.
Grupos do Sudeste dominam a mídia nacional
Os 50 meios de comunicação com maior audiência no Brasil pertencem a 26 grupos econômicos. Nove são do grupo Globo, cinco do grupo Bandeirantes, cinco de Edir Macedo (considerando a Rede Record e os meios de comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus), quatro da RBS, três do grupo Folha. O grupo Estado, o grupo Abril e o grupo Editorial Sempre Editora / SADA controlam, cada um, dois dos veículos de maior audiência. Os demais grupos possuem apenas uma das mídias pesquisadas.
A sede da grande maioria desses grupos (73%) fica na região metropolitana de São Paulo. No total, 80% estão localizados no sul e no sudeste do país, de onde dominam a audiência nacional da mídia. As emissoras de rádio e televisão são organizadas em redes nacionais, em que afiliadas locais retransmitem programação da empresa-mãe.
A propriedade das empresas de comunicação reflete esta hierarquia da transmissão do conteúdo. As afiliadas pertencem a políticos locais ou mantém fortes laços com eles, o que reforça as relações de poder entre as oligarquias locais e a sede dos grupos, em São Paulo.
Quatro redes de televisão têm 70% da audiência nacional
A televisão ainda é o principal meio de comunicação de massa no Brasil, e a concentração da audiência é alta neste setor. Mais de 70% do público nacional é compartilhado entre quatro grandes redes (Globo, SBT, Record e Band). Neste grupo, a Rede Globo representa mais de metade da audiência (equivalente a 36,9% do total). O segundo colocado, o SBT, tem 14,9% da audiência total e o terceiro, Record, 14,7%.
A concentração da audiência também é significativa nos mercados de mídia impressa e on-line. A soma da audiência dos quatro principais veículos, em ambos os segmentos, é superior a 50%. No segmento de rádio, a audiência local é menos concentrada e mais relacionada a dinâmicas locais. As emissoras de rádio, no entanto, também são organizadas em redes nacionais, que transportam grande parte do conteúdo das emissoras-mães. Das doze grandes redes de rádio, três pertencem ao grupo Bandeirantes e duas ao grupo Globo.
A propriedade cruzada reforça a concentração da mídia
Não há, no Brasil, dispositivos legais para impedir que o mesmo grupo controle emissoras de rádio, televisão, jornais e portais na internet. Ao contrário, a comunicação de massa se constituiu com base na propriedade cruzada, o que reforça a concentração da propriedade nas mãos de um pequeno número de grupos. Isto aplica-se tanto a nível nacional como estadual e local.
A única lei que limita a propriedade cruzada é a que regula o mercado de televisão por assinatura (Lei 12.485 / 2011) e proíbe que empresas produtoras de conteúdo audiovisual, por um lado, e as empresas de rádio e de televisão por assinatura, por outro, se controlem mutuamente.
O grupo Globo, por exemplo, desempenha um papel central nos mercados de TV, TV a cabo, internet e rádio, e também atua nos mercados fonográfico e editorial. A Rede Globo é líder do mercado de TV aberta; o conteúdo gerado por sua subsidiária GloboSat (que inclui GloboNews e dezenas de outros canais) tem destaque na TV por assinatura; seu portal Globo.com é o maior veículo de notícias on-line no Brasil; e duas de suas redes de rádio, a Globo AM / FM e a CBN, estão entre as dez maiores em termos de público.
O mesmo é verdade para outros grupos, como Record e RBS: o grupo Record opera a RecordTV e a RecordNews na TV aberta, e seu jornal Correio do Povo e o portal R7 estão entre os veículos com maior audiência no país. A RBS, por sua vez, administra a afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul, os jornais Zero Hora e Diário Gaúcho, duas redes de rádio (a nacional Gaúcha Sat e a regional Atlântida), o portal ClicRBS e possui outros investimentos em mídia digital, bem como em publicações impressas.
Proprietários da mídia são donos de bancos, siderúrgica – e igrejas.
Além de controlar as empresas de comunicação, os proprietários da mídia no Brasil mantêm fundações privadas que oferecem serviços educacionais e empresas no setor de educação. São ativos nos setores financeiro, de agronegócios, imobiliário, de energia e de saúde / empresas farmacêuticas. Um exemplo é o grupo SADA / Editora Sempre, da família Medioli, que investe em transporte de veículos e carga, logística, siderurgia, energia, esportes e educação. Outro exemplo, ainda que menor, é a Rádio Mix, controlada pelos proprietários do grupo Objetivo, dono de escolas privadas, de cursos pré-vestibular e da Universidade Paulista (Unip).
As redes nacionais de rádio e televisão também são ligadas a igrejas. Um exemplo importante é o grupo Record, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus e à Rede Aleluia de rádio. Seu proprietário majoritário, o bispo Edir Macedo, também controla 49% do capital do Banco Renner.
Falta transparência
As empresas pesquisadas pelo MOM Brasil não divulgam ativamente informações sobre sua composição acionária e nenhuma delas respondeu às solicitações de informações enviadas pela equipe do MOM. Alguns alegaram razões "estratégicas" ou relacionadas à concorrência para não responder. O acesso a esses dados é trabalhoso e seu escopo é limitado. Existem disposições legais sobre o limite de propriedade estrangeira na mídia e empresas de TV e rádio são concessionárias de frequências públicas. Não há, no entanto, mecanismos legais para puni-las caso não publiquem informações sobre seu quadro acionário. Além disso,
não há política de monitoramento da propriedade da mídia por parte do poder público. Os sistemas interativos mantidos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não garantem a atualidade dos dados nem são detalhados o suficiente, em muitos casos, para chegar aos proprietários individuais. As empresas não demonstram interesse na transparência e estruturas corporativas complexas, com múltiplas entidades legais, não facilitam o acesso a essas informações.
Media contacts:
Intervozes,
c/o fervo Nara Lacerda
[email protected]
+55 11 99643.3432
Reporters Without Borders Germany
Christoph Dreyer, media relations officer
[email protected]
+49-30-6098 9533-55
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