Caso Pegasus: processo judicial aberto na França é a única chance de se obter justiça
Um ano após o Projeto Pegasus revelar que pelo menos 200 jornalistas haviam sido alvo do spyware homônimo, o inquérito recém aberto na França, após denúncia criminal da Repórteres sem Fronteiras (RSF), é a única chance de fazer com que os responsáveis sejam identificados, processados e condenados.
A abertura de um inquérito pela seção "cibernética" do Ministério Público de Paris em 1º de julho de 2022 atende a uma série de denúncias apresentadas contra o caso há um ano na França. Entre elas, as quatro denúncias feitas ao Ministério Público de Paris pela Repórteres sem Fronteiras juntamente com 25 jornalistas de dez países. A nomeação de um juiz de instrução deve finalmente esclarecer as responsabilidades neste escândalo de espionagem envolvendo centenas de jornalistas em todo o mundo.
“É fundamental que a responsabilidade da NSO seja finalmente exposta”, declarou Christophe Deloire, secretário-geral da RSF. “Quando a liberdade de imprensa é atacada de maneira tão insidiosa, nenhuma área cinzenta deve permanecer. Celebramos o fato de que um juiz de instrução foi finalmente nomeado. Agora devemos chegar ao fundo da investigação e revelar os nomes de todos os clientes da NSO que usaram o Pegasus contra jornalistas”, acrescentou.
Outros processos foram abertos em vários países, incluindo uma ação civil movida pelo Whatsapp contra a NSO nos Estados Unidos e ações perante a Suprema Corte da Índia para determinar o papel das autoridades locais na vigilância de jornalistas. O processo aberto na França é, no entanto, o único na esfera penal suscetível de levar à identificação, à investigação e à condenação dos responsáveis pela vigilância de jornalistas.
Ele trata de uma série de crimes, incluindo associação criminosa, acesso e manutenção em sistema automatizado de tratamento de dados implementado pelo Estado sob a forma de quadrilha organizada, interceptação de correspondência enviada por meios eletrônicos, instalação de dispositivos para permitir tal interceptação, ou ainda a posse e divulgação de palavras ou imagens em violação à privacidade.
Desde 20 de julho de 2021, 25 jornalistas de dez países diferentes aderiram à denúncia apresentada pela RSF. Todos têm certeza ou presumem que seus celulares foram espionados pelo software Pegasus, pois seus nomes constavam na lista revelada pelo Pegasus Project. Como no caso da jornalista indiana Swati Chaturvedi, ganhadora do Prêmio RSF Coragem em 2018, trata-se de jornalistas independentes e exigentes que se recusam a ceder aos predadores da liberdade de imprensa.
O NSO Group juntou-se em 2020 a esta lista de inimigos e ameaças a jornalistas publicada periodicamente e mantida pela RSF. A organização denuncia suas ações e expõe publicamente os perigos que as empresas de vigilância cibernética representam para a liberdade de imprensa desde 2017. Para combater essa ameaça, a RSF inaugurou em 18 de julho de 2022 seu Digital Security Lab, uma equipe forense digital dedicada a detectar malwares em dispositivos de jornalistas.
As Nações Unidas devem agir
No ano passado, a RSF também acionou a ONU para pedir aos relatores especiais que exijam que os Estados suspeitos de terem usado o Pegasus se expliquem, como no caso da Hungria. A organização também pede o estabelecimento de uma moratória sobre a exportação de tecnologias de vigilância e a imposição de uma legislação rigorosa sobre a exportação de armas de vigilância.
Para isso, o Acordo de Wassenaar oferece uma base para a construção de um arcabouço sólido. Ele alcança 41 países e trata de transparência política sobre a exportação de armas convencionais e de bens e tecnologias de dupla utilização, dos quais o software de vigilância faz parte. No entanto, nem o número de Estados-Membros nem os requisitos de transparência previstos no Acordo de Wassenaar, que não é vinculativo, são suficientes. Portanto, é imperativo reformá-lo, fazendo com que reflita um direito internacional exigente que leve em conta o respeito aos direitos humanos