Covid-19 no Oriente Médio, enésima doença de uma imprensa agonizante
No Oriente Médio, em um contexto de descontentamento popular exacerbado pela pandemia da Covid-19, a crise sanitária revela a preocupante condição de uma imprensa morta lentamente por políticas repressivas. A região continua mais sombria do que nunca no mapa, com 12 países classificados nas zonas vermelha e preta do Ranking, onde a situação da imprensa é considerada difícil e muito grave. A flagrante não alteração desses países explica a ausência de mudanças significativas no Ranking.
Números maquiados, meios de comunicação condenados a veicular os informes oficiais... Nos países mais autoritários do Oriente Médio, a pandemia ofereceu a oportunidade de continuar, e até fortalecer, as práticas já existentes de silenciamento da imprensa. A Arábia Saudita (170º), o Egito (166º) e a Síria (173º, +1) já se aproveitavam de um controle quase total dos meios de comunicação por meio de leis muito restritivas de liberdade de imprensa e órgãos reguladores. Graças à pandemia, esses países reforçaram seu monopólio da informação. No Egito, onde a lei permite que meios de comunicação sejam bloqueados e jornalistas presos por "disseminar notícias falsas", o governo proibiu a publicação de números que não sejam fornecidos pelo Ministério da Saúde e bloqueou, no auge da pandemia, mais de trinta sites e páginas da Web. Nenhum questionamento do balanço oficial ou reflexão sugerindo que os números da crise sanitária são subestimados é tolerado. A correspondente do The Guardian Ruth Michaelson pagou o preço em março. Por ter escrito um artigo citando um estudo que mostrava que os números apresentados no Egito estariam abaixo da realidade, a jornalista foi simplesmente expulsa do país.
O controle da informação também afetou a Síria, onde a população há muito enfrenta um verdadeiro blecaute de informação com relação à circulação do vírus. Enquanto países vizinhos como Irã e Líbano, que têm tropas mobilizadas na Síria, já eram duramente afetados pela pandemia, a mídia oficial síria sustentou, durante semanas, que nenhum caso de coronavírus havia sido registrado no território, deixando os cidadãos no escuro. Como no Egito, o governo decretou que a agência oficial de notícias Sana seria a única fonte válida de informação. Na região, o monopólio da informação é tal que, na Arábia Saudita, o sindicato dos jornalistas - embora próximo do governo - registrou uma queda na audiência dos meios de comunicação. Os cidadãos passaram a obter informações diretamente nos sites oficiais das autoridades, sem passar pelos veículos da imprensa.
Irã (174°, -3) : Aumento da repressão graças à pandemia
A República Islâmica do Irã continua sendo um dos países mais mal posicionados do mundo desde a criação do Ranking RSF em 2002, devido à repressão exercida pelas autoridades. Tal situação se agravou ainda mais com a pandemia da Covid-19, cujo número de vítimas no país é minimizado pelas autoridades. Teerã fala oficialmente de 80 mil mortes ligadas à pandemia, mas, de acordo com um estudo independente, pelo menos 180 mil pessoas morreram em consequência da Covid-19. As autoridades intensificaram o controle da informação em todos os meios de comunicação tradicionais, bem como na Internet. Multiplicaram as intimações, prisões e condenações tanto de jornalistas profissionais quanto amadores. O Irã também é o país que mais executou jornalistas nos últimos 50 anos, como Rouhollah Zam, que dirigia o canal Amadnews no Telegram. Considerado culpado por participar dos protestos do inverno de 2017-2018 contra a corrupção e a situação econômica do país, ele foi executado em 12 de novembro de 2020.
Quando uma crise esconde outra
Embora a situação dos jornalistas no Líbano (107o, -5) tenha sido melhor por vários anos, essa condição está agora fortemente ameaçada. Informar livremente, especialmente sobre corrupção, está se tornando cada vez mais uma atividade de alto risco, conforme ilustra o assassinato a balas, em fevereiro, do jornalista e analista político especializado em xiismo Lokman Slim. A retomada dos protestos e manifestações, suspensos durante o toque de recolher decretado na pandemia, também coloca os jornalistas na linha de frente, enquanto casos de agressão praticada por manifestantes e pela polícia se banalizam. Esses diferentes elementos explicam a queda de 5 posições no Ranking 2021 da RSF, estando entre uma das quedas significativas do ano.
Ao mesmo tempo, a desconfiança da população em relação aos meios de comunicação tradicionais (muitas vezes ligada a movimentos políticos) e às elites dominantes resultou em um aumento na demanda por informações livres e independentes, produzidas por fontes alternativas. O site de notícias Daraj, que havia criado um guia dedicado a notícias sobre a pandemia, registrou um aumento de quase 50% no número de visitantes.
Esse interesse por informação independente traz esperança para a imprensa da “Suíça do Oriente Médio”, num momento em que a situação dos jornalistas, já severamente deteriorada por uma crise política e econômica sem precedentes, se agravou ainda mais com a chegada da pandemia. Vários meios de comunicação foram obrigados a reduzir suas equipes, ou mesmo a fechar, passando a integrar a lista dos que já tinham encerrado suas atividades, como a Future TV ou o The Daily Star. Os jornalistas se veem, assim, em grande precariedade. Muitos ainda aguardam o pagamento de salários, interrompido há meses.
O autoritarismo se revela
O direito à informação também foi posto à prova em outros países da região que tentam ocultar as consequências sociais da pandemia. O aumento no número de prisões e de proibições de publicação fortaleceu o arsenal de medidas restritivas já em uso. Assim, na Jordânia (129o, -1), dois representantes da rede Roya TV ficaram presos em abril por veicular uma reportagem em que moradores de um bairro popular da capital, Amã, reclamavam do toque de recolher e da impossibilidade de ganhar a vida. À medida que a pandemia cristalizava o descontentamento e incentivava professores a protestar por aumentos salariais, as autoridades também decretavam proibições de publicação para evitar que os meios de comunicação e os cidadãos divulgassem imagens dessas manifestações.
Do lado do Iraque (163o, -1), meios de comunicação envolvidos na cobertura de protestos antigovernamentais no Curdistão iraquiano - que se intensificaram com o congelamento dos salários dos servidores públicos e diversas medidas de restrição de deslocamentos -, foram acusados de incitar a rebelião e de encorajar manifestantes a agir de forma irresponsável. O canal NRT TV foi, assim, sancionado, com uma proibição de transmissão decretada pelo governo. Jornalistas independentes, seja nas ruas ou veiculando informações nas redes sociais, tampouco foram poupados da repressão. Três deles, detidos em outubro de 2020, acabam de ser condenados a seis anos de prisão por “afronta à segurança nacional”, em particular, por atos de espionagem.
Diante de uma situação sanitária, econômica e política fora de controle, a maioria dos países da região cedeu, assim, a uma retomada autoritária. Em vez de permitir que os meios de comunicação contribuíssem com a divulgação de informações confiáveis e assumissem seu papel de quarto poder, optaram por enfraquecer ainda mais a liberdade de imprensa, já em uma situação nada invejável, correndo o risco de deixar uma marca duradoura na paisagem midiática.
Jornalismo sob pressão contínua no Norte da África
Prisões arbitrárias, seguidos processos na justiça, prisões preventivas intermináveis, julgamentos regularmente adiados... O assédio judicial de jornalistas tornou-se um método recorrente de repressão na região. Na Argélia (146º), o caso do diretor do site de notícias Casbah Tribune, Khaled Drareni, também correspondente da TV5 Monde e da RSF, expôs a instrumentalização da justiça. A cobertura que Drareni realizou do movimento de protesto anti-regime Hirak lhe rendeu uma condenação em segunda instância a dois anos de prisão, por “incitar uma manifestação não autorizada” e “colocar em perigo a segurança do Estado”. O jornalista foi finalmente libertado após 11 meses na prisão, ao receber um perdão presidencial, mas seu caso sofreu um revés e deve ser julgado novamente no segundo semestre.
O caso de Khaled Drareni não é isolado. Pelo menos três outros jornalistas argelinos estão pagando um alto preço por realizar o trabalho de informar. O correspondente do canal libanês Al-Mayadeen, Sofiane Merakchi, cumpriu oito meses de prisão depois de fornecer imagens de uma manifestação a vários canais de televisão estrangeiros. O editor do diário regional Le Provincial de Annaba, Mustafa Bendjama, foi interrogado mais de 20 vezes por também cobrir os protestos do movimento Hirak, e enfrenta três processos judiciais diferentes relacionados a postagens que fez no Facebook. Já Ali Djamel Toubal, jornalista correspondente do grupo de mídia privada Ennahar, foi condenado a 15 meses de prisão em regime fechado por ter veiculado, nas redes sociais, imagens mostrando policiais maltratando manifestantes contrários ao regime. Sua condenação foi feita com base em uma nova lei, adotada em março de 2020, que permite criminalizar a divulgação de informações falsas que “atentem contra a ordem pública e a segurança do Estado”.
No vizinho Marrocos (136º, -3), quatro jornalistas, Maati Monjib, Omar Radi, Imad Stitou e Souleiman Raissouni, considerados vozes críticas do poder, também estão na mira das autoridades, alguns deles há vários anos. Julgados por casos de costumes ou de atentado à segurança do Estado sem nenhum vínculo com suas atividades jornalísticas, vivem ao ritmo de audiências sistematicamente adiadas e indeferimentos de pedidos de liberdade provisória. Omar Radi e Souleiman Raissouni, em prisão preventiva há oito e onze meses, respectivamente, aguardando julgamento, apresentaram sem sucesso à justiça nada menos que 10 pedidos de liberdade provisória.
Confrontados com uma justiça parcial e claramente a serviço do governo, os jornalistas acabaram por se colocar em perigo ao recorrer a uma greve de fome. O objetivo é fazer valer seu direito a um processo justo e à liberdade provisória, para a qual já reúnem todas as condições. Souleiman Raissouni e Omar Radi anunciaram que parariam de comer nos dias 8 e 9 de abril de 2021. O jornalista franco-marroquino Maâti Monjib, por sua vez, foi libertado sob fiança no final de março, após 19 dias de greve de fome e três meses em prisão preventiva.
Um ambiente cada vez mais hostil
No Norte da África, jornalistas e meios de comunicação operam em um ambiente cada vez mais complexo e até hostil. A Tunísia (73º, -1), apesar de bem posicionada nos últimos anos em comparação a seus vizinhos, perdeu uma posição no Ranking de 2021, sobretudo por causa do aumento dos discursos de ódio contra meios de comunicação, alimentados por parlamentares de extrema direita. Desde sua eleição em 2019, o líder da coalizão islâmica e populista Al Karama, Seifeddine Makhlouf, tem regularmente atacado jornalistas, agredindo-os verbalmente dentro da Assembleia dos Representantes do Povo (ARP) e nas redes sociais, chamando-os de "mídia da vergonha", “mentirosos” ou ainda “canalhas que querem destruir o país e a revolução”.
Na Líbia (165º, -1), é a persistente impunidade, desfrutada há cerca de uma década pelos inimigos da liberdade de informação, que dificulta o trabalho jornalístico e mantém o país nas piores colocações do Ranking. O conflito armado que divide a Líbia instalou um estado de violência e medo para os trabalhadores da mídia, que os obriga a fazer uma escolha dolorosa entre a autocensura e a propaganda para um dos regimes que disputam o Leste e o Oeste do país.