União Europeia tem dificuldades para defender seus valores dentro de suas fronteiras
A Europa continua a ser o continente mais favorável à liberdade de imprensa. Mas a violência contra jornalistas aumenta e os mecanismos de proteção das liberdades fundamentais instituídos pela União Europeia (UE) têm sido lentos para impedir o domínio do regime de Viktor Orbán sobre os meios de comunicação na Hungria, ou para conter medidas liberticidas em outros países da Europa Central.
Todo o continente europeu se comprometeu plenamente a combater a pandemia de Covid-19, mas apenas alguns países da região, incluindo os três primeiros do ranking - Noruega (1º), Finlândia (2ª) e Suécia (3º, +1) - podem se orgulhar de ter defendido a liberdade de imprensa com o mesmo vigor. Embora informações de confiança tenham se estabelecido como uma ferramenta essencial na luta contra o coronavírus, em vários países europeus foram registradas violações do direito à informação. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, por exemplo, conseguiu transformar totalmente seu país num verdadeiro contra-modelo europeu em matéria de liberdade de imprensa (ver quadro abaixo).
Jornalistas diante da desinformação e dos segredos de Estado
Tanto no leste quanto no oeste do continente, o uso de prisões e de detenções de jornalistas foi facilitado pela adoção de novas leis limitadoras do direito à informação. Vários países tentaram conter o impacto de informações sobre temas sensíveis, como a crise do coronavírus. Foi assim que, na Sérvia (93o), a jornalista Ana Lalić foi brutalmente presa em casa depois de ter produzido um relatório sobre um hospital que lutava contra a pandemia de Covid-19, sem levar em conta um decreto que exigia a centralização da divulgação de todas as informações sobre a crise sanitária em um órgão de governo. Na mesma linha, no Kosovo (78º, -8), a editora-chefe do site KoSSev, Tatjana Lazarević, foi arbitrariamente presa na rua quando cobria os efeitos da crise sanitária.
Na União Europeia, a questão migratória também se mostrou sensível. Na Grécia (70º, -5), as autoridades realizaram prisões de jornalistas, às vezes de forma violenta, para impedi-los de entrar em contato com migrantes. Foi também para limitar a cobertura da questão migratória que, na Espanha (29º), as autoridades das Ilhas Canárias optaram por diferentes formas de obstrução: retenção de informações sobre os locais de desembarque dos migrantes, uso de barreiras físicas para impedir fotos, instauração de protocolos de segurança, etc.
Outro tipo de contratempo para o jornalismo ocorreu no Reino Unido (33º, +2), com a decisão do juiz britânico de não extraditar para os Estados Unidos o fundador do Wikileaks, Julian Assange, por questões de saúde mental e não por motivos de proteção da informação. Foi um golpe certeiro contra o jornalismo de interesse público, assim como a manutenção de sua detenção no presídio de segurança máxima de Belmarsh, onde sua saúde física e mental continuam a se deteriorar.
Países que bloqueiam o jornalismo
HUNGRIA (92o, -3): Acesso bloqueado a informações sobre o coronavírus
Na Hungria, a legislação de emergência em vigor desde março de 2020 - que mudou de nome, mas não de escopo - continua a criminalizar a divulgação de “notícias falsas” sobre o coronavírus e a bloquear o acesso à informação. Por um lado, os jornalistas e suas fontes sofrem o efeito da autocensura e, por outro, a proibição de realizar reportagens nos hospitais. Quando, em março passado, cerca de trinta redações pediram em carta aberta o fim desse embargo de informações, depararam-se com a recusa do governo, que acusou meios de comunicação independentes de divulgar desinformação, crime passível de sanções penais. A mídia estrangeira, por sua vez, foi alvo de uma campanha de intimidação. O regime de Viktor Orbán não parou de censurar veículos independentes, como o site Index, do qual quase todos os jornalistas se demitiram após sua aquisição por pessoas próximas ao primeiro-ministro, ou a rádio Klubrádio, que perdeu sua licença de transmissão por razões administrativas triviais. A UE, por sua vez, parece impotente: o procedimento de sanções contra a Hungria por atentar contra o Estado de Direito não avança, e o novo mecanismo instaurado - que condiciona o acesso a fundos europeus ao respeito ao Estado de Direito - não leva em consideração a liberdade de imprensa.
A Hungria - que assume sem constrangimento algum sua escolha política de reprimir a liberdade de imprensa e de expressão - inspira alguns Estados-membros da União Europeia e serve de mau exemplo para países candidatos a entrar no bloco. As primeiras vítimas dessa política agressiva foram os meios de comunicação pública dos países vizinhos. Assim como aconteceu com a TVP na Polônia (64º, -2), tais veículos foram novamente transformados em órgãos de propaganda estatal ou, caso se recusem a seguir a linha política do governo, privados de financiamento público - como no caso da agência de notícias STA, na Eslovênia (36º, -4). Quanto aos meios de comunicação privados, eles estão expostos a pressões fiscais, comerciais e legislativas, como evidenciado pela “repolonização” da mídia na Polônia, que resultou numa proposta de imposto sobre receitas publicitárias, na aquisição dos meios de comunicação locais por uma empresa controlada pelo governo e num projeto de regulação política das redes sociais.
Alguns países candidatos à adesão à UE também recorrem à pressão judicial: o governo da Albânia (83º, +1) tomou o controle de duas redes de TV independentes sob o pretexto de processos por tráfico de drogas contra seu proprietário, enquanto, em Montenegro (104º, +1), o Ministério Público continua a processar - com acusações semelhantes e infundadas - o jornalista investigativo Jovo Martinović.
Impunidade, uma ameaça que torna a profissão de jornalista perigosa
A falta de justiça para crimes cometidos contra a imprensa - um problema encontrado especialmente no sudeste da Europa - pode ter um efeito deletério sobre os jornalistas e levá-los à autocensura. Essa impunidade é particularmente flagrante na Eslováquia (35º, -2), onde o julgamento do assassinato de Jan Kuciak foi marcado pela absolvição do homem acusado de ser o mandante do crime. Em Malta (81º), apenas um capanga foi condenado, em 2020, em conexão com o assassinato de Daphne Caruana Galizia. Processos judiciais intermináveis contribuem para essa impunidade: durante julgamento de um recurso, a justiça sérvia anulou as condenações pelo homicídio do jornalista Eslavo Ćuruvija, originando um novo processo 21 anos após a sua morte. A incapacidade dos Estados de proteger jornalistas ameaçados também contribui para o sentimento de insegurança. Na Bulgária (112º, -1), Nikolay Staykov só pôde se beneficiar de proteção policial depois de um apelo público lançado pela RSF.
Ódio e incompreensão do jornalismo: o risco de cobrir uma manifestação
A violência atinge não apenas jornalistas investigativos, mas também aqueles que cobrem protestos. Durante manifestações contra as restrições sanitárias na Europa Ocidental, a mídia, em particular, tem sido alvo de pessoas próximas a movimentos extremistas e conspiratórios. Muitos jornalistas foram, assim, agredidos na Alemanha (13º, -2) e na Itália (41º), enquanto outros - sobretudo na Grécia - sofreram violência policial e prisões arbitrárias, o que limitou a cobertura das operações de manutenção da ordem pública durante as manifestações. Na França (34o), essas violações ocorreram principalmente durante protestos contra o novo plano nacional de manutenção da ordem (SNMO) e o projeto de lei de "segurança global", que objetivam restringir a divulgação de imagens da polícia.
Casos de violência policial também foram registrados na parte oriental da UE, sobretudo na Polônia, onde vários jornalistas foram agredidos ou presos durante manifestações contra o governo. Na Bulgária, as autoridades chegaram a se recusar a investigar um caso de violência policial contra o jornalista Dimiter Kenarov. Os abusos cometidos contra jornalistas na Sérvia, que aspira aderir à UE, confirmaram a tendência. Essas diferentes violações contribuíram para uma deterioração muito clara do indicador “Abusos” na região UE/Bálcãs. Os atos de violência mais do que dobraram na região, enquanto a redução do indicador no mundo ficou em 17%.
No Leste Europeu e Ásia Central, sem antídoto para o vírus da desinformação e do controle da imprensa
Os efeitos duradouros da pandemia de Covid-19 sobre a liberdade de imprensa e uma repressão sem precedentes contra jornalistas que cobrem protestos e a guerra na região do Cáucaso - que deixou pelo menos sete repórteres feridos e prejudicou gravemente seu trabalho - ajudaram a manter a zona do Leste Europeu e da Ásia Central na penúltima colocação no Ranking Regional em 2021.
Uma febre perigosa atingiu alguns países da região do Leste Europeu e Ásia Central, a maioria deles já sofrendo da síndrome de repressão da informação. Três deles experimentaram um tratamento radical para silenciar jornalistas: o bloqueio total da Internet, via uso de softwares de cibersegurança fornecidos, sobretudo, por multinacionais como Allot e Sandvine. Foi o caso, na região do Cáucaso, do Azerbaijão (167º, +1), no outono de 2020, durante o conflito de Nagorno-Karabakh, um território disputado com a Armênia (63º, -2); do Quirguistão (79º, +3), ainda o país com melhor classificação na Ásia Central mesmo após as eleições legislativas contestadas de outubro; e, no Leste Europeu, da Bielorrússia (158º, -5), onde a Internet ficou completamente inacessível nos três dias que se seguiram ao anúncio dos resultados da polêmica eleição presidencial e, depois, de forma intermitente, nos meses seguintes. Entre agosto e dezembro de 2020, a coalizão #KeepItOn, dedicada à luta contra ações de derrubada da Internet no mundo, registrou nada menos que 121 dias de bloqueio.
Bielorrússia: Campeã da repressão regional
Censura, prisões em massa, assédio, violência: na Bielorrússia, jornalistas da mídia independente são especificamente visados pela polícia desde a eleição presidencial fraudulenta de 9 de agosto de 2020. Depois de jogá-los na prisão com curtas sentenças administrativas, baseadas em pretextos espúrios ligados à cobertura de protestos, ou para impedi-los de cobrir as manifestações, as autoridades começaram a processar alguns jornalistas por fatos mais graves, passíveis de vários anos de detenção. Eles enfrentam, agora, simulacros de julgamentos, conduzidos por juízes tendenciosos e submetidos ao governo. Em seu desejo de esmagar todo o jornalismo independente no país, as forças de segurança da Bielorrússia também passaram a perseguir aqueles que o defendem, especialmente a Associação Bielorrussa de Jornalistas (BAJ), parceira local da RSF.
Jornalismo confrontado com mentiras de Estado e o monopólio da informação
Os sintomas mais visíveis da mentira estatal foram observados no Turcomenistão (178º, +1), único país do mundo, além da Coreia do Norte, ainda a negar o surgimento do coronavírus em seu território - mesmo que o próprio presidente tenha popularizado o uso de alcaçuz ou de uma planta tradicional, o harmal, para se proteger contra uma onda surpreendente de “pneumonias". Neste país da Ásia Central, que ano após ano mantém sua posição na parcela inferior do Ranking, não há vacina alguma contra a desinformação disseminada pelo governo. Não existem meios de comunicação independentes no país e somente alguns poucos jornalistas, trabalhando clandestinamente, conseguem obter fragmentos de informações para veículos de comunicação no exílio, que as difundem do exterior.
Essa censura sem limite de alguns governos foi acompanhada, em todos os países da região, por um desejo contagioso de controlar a informação, em diferentes graus. Na Rússia (150º, -1), apesar da intensa pressão, a mídia independente lutou por longos meses contra alegações e números errôneos das autoridades para retratar a realidade da pandemia de Covid-19. Moscou finalmente reconheceu, no final de dezembro, um número de mortos pelo coronavírus mais de três vezes maior do que a contagem oficial. Não satisfeitos em remover artigos publicados na Internet, recorrendo à lei de desinformação que entrou em vigor em 2019, as autoridades russas ampliaram ainda mais a sua aplicação com novas emendas.
Seguindo o modelo russo, outros governos, como o do Tajiquistão (162o, -1), usaram a luta contra a desinformação sobre a Covid-19 como pretexto para limitar ainda mais a liberdade de imprensa - um remédio pior do que a doença neste país autoritário da Ásia Central. Qualquer informação considerada “falsa” ou “imprecisa” sobre doenças infecciosas graves publicadas nos meios de comunicação e nas redes sociais pode custar a seus autores uma multa de até dois salários mínimos ou 15 dias de prisão. Tal risco leva os jornalistas a se autocensurar diante de qualquer informação relacionada à Covid-19 que não venha das autoridades, sobretudo a contagem de mortos realizada por um grupo de ativistas locais, muito superior aos números oficiais.
No contexto da pandemia, países menos inclinados à censura também foram tentados a criar um monopólio estatal da informação. Na Armênia, a decretação do estado de emergência sanitária foi acompanhada por medidas liberticidas, como a obrigação de os meios de comunicação citarem apenas fontes governamentais - ainda que regras mais polêmicas tenham sido finalmente relaxadas e revogadas alguns dias depois, diante do clamor e da mobilização dos jornalistas.
Além desse desejo de controle da imprensa em quase todos os países da região, as autoridades nacionais e/ou locais restringiram o acesso à informação. Na Moldávia (89o, +2), por exemplo, em plena crise sanitária, as coletivas de imprensa com o Ministério da Saúde chegaram a ocorrer sem qualquer interação com os jornalistas. De acordo com o Independent Journalism Center, o tempo de resposta das instituições públicas a solicitações triplicou. Somente após uma campanha nas redes sociais, em meados de 2020, permitiu que a situação melhorasse.
Normas sanitárias e ódio aos jornalistas: outras ameaças à informação
As normas sanitárias também forneceram às autoridades um pretexto para bloquear o trabalho dos jornalistas. Na Rússia, alguns foram presos quando cobriam manifestações sob alegação de não conformidade com o “distanciamento social” ou de “violação do confinamento”. No oeste do Cazaquistão (155º, +2), uma equipe da rede KTK TV, presa por "violação do estado de emergência" durante uma reportagem sobre as condições de trabalho em um hospital, recebeu uma advertência depois de ser colocada em quarentena forçada por duas semanas, embora a lei permitisse aos jornalistas trabalhar durante a epidemia.
Os governos não são os únicos a pressionar os jornalistas. A pandemia e os episódios de confinamento afetaram as relações sociais e, às vezes, aumentaram as manifestações de ódio contra os meios de comunicação, especialmente quando a crise sanitária vinha acompanhada de um período eleitoral. Em pelo menos sete países da região, repórteres foram agredidos por desconhecidos - por exemplo, lojistas ou transeuntes exasperados na Ucrânia (97º, -1). Ao todo, mais de 170 agressões físicas foram registradas no país pelo Institute for Mass Information, o que representa três quartos das violações à liberdade de imprensa em território ucraniano.
Desse quadro bastante sombrio, o fenômeno mais preocupante para o futuro da liberdade de imprensa no Leste Europeu e na Ásia Central continua a ser o movimento da Rússia, líder da região, em direção a um modelo cada vez mais repressivo em relação aos jornalistas e aos meios de comunicação independentes. Além de mudanças legislativas cada vez mais restritivas, a polícia nunca foi tão longe na repressão coletiva de jornalistas como durante as manifestações ligadas ao oponente político do governo Alexeï Navalny. O objetivo: impedir sua cobertura pelos veículos de comunicação. Após o período difícil da crise sanitária, a liberdade de imprensa corre o risco de ser ainda mais afetada pela explosão de movimentos sociais e políticos na região, bem como pelas respostas de governos contaminados pelo autoritarismo.